Muitas pessoas dizem que o RPG é a melhor experiência lúdica que eles conhecem, mas, existem pessoas que experimentaram o jogo e afirmam que não é tão divertido assim.
Sem problemas nessa parte, pessoas têm diferentes interesses, porém, existe a possibilidade de que alguns desses decepcionados não tiveram a oportunidade de jogar o RPG que eles queriam jogar.
Para ilustrar essa situação, lembro a história de um dublador (não cito os nomes porque não lembro os nomes dos envolvidos, boa sorte para quem puder procurar essa história em algum Nerdcast) foi convidado por um autor para jogar RPG.
Logo na primeira partida, um orc surgiu na frente do guerreiro do dublador, e a ação do guerreiro foi dizer: “Ei, peraí, vamos conversar.”
O mestre-de-jogo assumiu que o personagem desperdiçou a ação na primeira rodada de combate, e levou um ataque do orc. Na segunda rodada, foram feitas as rolagens normais de combate, e o guerreiro acabou ganhando o confronto, com apenas alguns ferimentos.
O dublador ficou frustrado, pois ele esperava alguma interação entre os personagens, e não rolagens de dado decidindo quem ganhou a briga. Ele considerou que RPG era só aquilo e nunca mais jogou.
Evolução do RPG
RPGs surgiram a partir de jogos de guerra, a intenção era incrementar as batalhas de miniaturas com customizações dos personagens, o termo RPG só foi classificar esse novo estilo de jogo depois que muitas variações do primeiro jogo foram criadas (para um detalhamento maior sobre o surgimento dos RPGs, recomendo esse texto: https://operarpg.com.br/2020/09/15/como-o-opera-se-encaixa-na-evolucao-do-rpg/ , um dos mais detalhados sobre o assunto).
As interpretações de personagens eram apenas intervalos entre um combate e outro, sem muita interferência no rumo da história. Aos poucos, foi criado um mundo fora do calabouço, com uma relativa liberdade para o personagem decidir qual caminho seguir.
Aos poucos, foram surgindo regras e cenários que se importavam mais com os ambientes e situações fora das ações de combate.
A interpretação dos personagens passou a rivalizar com seus poderes, e foram desenvolvidas regras especiais para ajudar nessas características.
A participação dos jogadores nos rumos da aventura ficou cada vez mais determinante, chegando ao ponto em que regras permitem que o jogador crie cenas para seu personagem durante o jogo.
Com quase 50 anos de criações, RPGs apresentam infinitas possibilidades, e dentro deste multiverso, percebo três estilos de jogo que se destacam entre os grupos, e são variações que independem das regras: são estilos de jogo que o grupo acaba seguindo por preferência pessoal (ou imposição do mestre-de-jogo).
Estilos de RPG
Seguindo a linha evolutiva, começamos pelo Role-Playing Game. Puro e simples.
É um jogo de batalha de miniaturas, com customizações individuais dos personagens, em que uma história leva os personagens do Ponto A (início da história, com a apresentação do desafio) ao Ponto B (combate que define o final da história), passando por alguns subpontos em que esses personagens podem conseguir equipamentos melhores, enfrentar combates intermediários ou conseguir informações sobre o combate final.
Assim como um videogame, já está tudo planejado. As ações dos personagens seguem um trilho, com pequenos eventos dando uma ilusão de liberdade de ação, mas com uma estrutura narrativa que conduz os personagens para a próxima cena com pistas óbvias ou ameaças inevitáveis.
Na sequência, tem um estilo que eu chamo de RPG, Role-Playing Story.
O combate deixa de ser tão importante para a trama, pois as decisões dos personagens podem resolver o desafio sem a necessidade de um combate.
São jogos com muitos elementos de cenário, que demandam muito planejamento e ainda mais improviso do mestre-de-jogo, pois os jogadores podem utilizar qualquer elemento do cenário como ferramenta.
Ações dos personagens podem criar perigos piores do que os apresentados no início da trama, ou então, podem eliminar a grande ameaça com uma simples conversa.
Aumentando a participação dos jogadores na criação da trama, temos os RPGs Narrativos, que eu prefiro abreviar para Jogos Narrativos, em que o jogador pode criar situações para o seu personagem.
Este modo de RPG demanda regras específicas, pois determinam que sucessos em testes ou gatilhos de cenas permitem que jogadores criem parte da história ou determinem o risco da ameaça que eles estão enfrentando.
São jogos que tiram o foco da estratégia e passam para a criatividade, reforçando ainda mais o conceito do RPG ser uma história colaborativa.
Prós e Contras
As diferentes posições de cada um desses estilos não refletem superioridades ou defeitos. Cada um deles tem suas vantagens e desvantagens. A proposta da discussão é possibilitar uma reflexão para o mestre-de-jogo, para que o melhor estilo seja escolhido para cada grupo, sem decepcionar as expectativas de novos jogadores.
RPG
É o jogo para quem veio para jogar. Sem perder tempo atrás de decifrar pista, sem perder em caminho errado, sem perder tempo em conversa com pnj que não leva a lugar algum, sem perder tempo por não saber para onde ir. É rolar o dado e torcer pelo crítico.
Alguns jogadores não ficam confortáveis tendo que prestar atenção em informações ou tomar decisões importantes durante um momento de lazer. Eles só querem acompanhar uma história básica, participando dos momentos de ação com seus feitos heróicos.
É o estilo inicial para iniciantes, porém, pode desagradar jogadores que gostam de explorar a história do cenário e dos seus próprios personagens.
RPS
Permite que os jogadores desenvolvam suas histórias com mais complexidade. Exige muita capacidade do mestre-de-jogo para lidar com as muitas interferências dos jogadores na trama, e exige proatividade dos jogadores também, pois a aventura pode parar se eles não se decidirem por qual caminho seguir (ou, não acharem o caminho a ser seguido).
O grande problema desse estilo de jogo é que a aventura pode travar por conta dessa liberdade. Nem todos os jogadores têm a percepção de que eles podem ser agentes de novos rumos para uma trama, e ficam sempre aguardando essa indicação chegar pronta do mestre.
Também existem os jogadores que exageram nessa liberdade, e levam a aventura para rumos sem solução ou para a morte certa.
Pode parecer um estilo só com contras, porém, a satisfação de conseguir avançar em um jogo com tantos desafios é muito grande.
Continua sendo o jogo, mas o termo “Game” foi trocado por “Story” neste nome porque o jogador sente que está interpretando seu personagem em uma história, e não apenas em um jogo. Ele sente que suas ações interferem no rumo daquele universo, e que ele não está lá apenas para rolar dados.
Jogos Narrativos
Os RPGs Narrativos são uma oportunidade para os jogadores desenvolverem sua criatividade, disputando com o mestre-de-jogo a criação de cenas para solucionar a trama.
Não se perde tempo com cálculos matemáticos para cada tipo de situação, um combate complexo pode ser resolvido com apenas uma rolagem de dados, e ainda existe a liberdade de se resolver o combate buscando outra alternativa para a história, como em um RPS.
Porém, Jogos Narrativos lidam muito com o metajogo, situações em que o jogador sai do personagem para observar a cena por cima para criar a melhor solução.
Esses momentos quebram a imersão, pois lembram o participante que ele está em um jogo, e que o personagem é apenas um peão em sua mão.
Exemplos de Incompatibilidades
Para ilustrar a decepção que pode se tornar não deixar claro esses conceitos no início de uma sessão de RPG, eis algumas histórias de sessão de jogo.
Um jogador, acostumado com o estilo RPS, foi jogar em uma mesa que seguia o estilo RPG.
Na primeira cena, um velho entregou um mapa para o grupo em uma taverna, informando que um tesouro estava escondido naquela localização.
Enquanto os demais jogadores analisavam o mapa, o jogador de RPS seguiu o velho e puxou-o para um beco, ameaçando-o se ele não dissesse quem estava por trás daquela armadilha.
Do ponto de vista dos jogadores de RPG, aquele era um típico início de jogo. Para o jogador de RPS, não fazia sentido algum um velho entregar um mapa de tesouro para um grupo de estranhos, só poderia ser uma armadilha.
Continuando o jogo, guardas apareceram e permitiram que o velho fosse embora, e o grupo foi atrás do tesouro, como se nada tivesse acontecido.
Uma jogadora, acostumada com o estilo RPG, começou a jogar em uma mesa de RPS.
Em determinado momento da aventura, a personagem dela, sozinha, se deparou com um grupo de zumbis. Mesmo com o mestre-de-jogo descrevendo a quantidade e ferocidade dos zumbis, ele decidiu atirar flechas contra os cadáveres ambulantes.
Os zumbis avançaram, o mestre-de-jogo informou que suas flechas atingiram os zumbis com facilidade e irrelevância, aparentemente, não causaram dano algum, e ela informou que iria sacar sua espada para lutar contra os zumbis.
Sem outra opção, o jogador apelou para o bom senso da personagem, e explicou para a jogadora que a personagem dela sentia que não seria capaz de enfrentar tantos zumbis ao mesmo tempo, e que fugir era uma possibilidade.
Com esse novo trilho sendo dado para a jogadora, ele decidiu colocar sua personagem em fuga.
Em um jogo de RPG Narrativo, um jogador de RTS viu seu personagem encurralado por alienígenas. O mestre-de-jogo informou que o personagem dele deveria reviver algum trauma de seu passado, que fosse capaz de gerar um surto de adrenalina capaz de gerar um ataque múltiplo contra todos os alienígenas.
O jogador travou. Para ele, era inconcebível pausar uma cena de ação para criar uma história no passado do personagem que justificasse um poder no presente.
O mestre-de-jogo deu uma força, o trauma do passado foi criado, a cena foi resolvida, mas o jogador perdeu totalmente a tensão pela situação do personagem.
Um jogador de RTS estava com um grupo de RPG em um jogo de um mestre-de-jogo “híbrido” (ele tinha um trilho para os jogadores, mas acatava sugestões).
O grupo teria que atravessar um campo de batalha na busca por uma relíquia mágica. Eles teriam que lidar com quaisquer tropas que eles encontrassem pelo caminho, sendo alvo dos dois lados da guerra.
O jogador de RTS pediu informações para o mestre sobre os motivos da guerra e as alianças entre os reinos locais. O mestre improvisou rapidamente uma descrição e o jogador propôs que o grupo entrasse, sem disfarces, no terreno do reino que não tinha conflitos políticos com o reino de origem do grupo.
Os jogadores foram rendidos, o jogador explicou a origem do grupo, a motivação da passagem deles pelo local, e citou o nome de alguns nobres que poderiam se tornar aliados caso eles pudessem passar pelo território deles.
O mestre-de-jogo entendeu que a proposta do jogador era coerente com as informações que tinham sido dadas sobre a política regional, e os militares aceitaram o trato.
O jogador ficou feliz por ter conduzido o grupo em segurança, o mestre-de-jogo fico feliz por ter tido um momento de intriga política em seu jogo, e os demais jogadores ficaram frustrados, pois esperavam correria, rolagem de dados e sanguinolência na sessão de jogo.
Você tem a visão de outro estilo de RPG, ou uma visão diferente dos estilos descritos aqui?
Quer compartilhar histórias de como diferentes estilos entraram em conflito ou entraram em acordo na mesa de jogo?
Colabore com sua experiência nos comentários. Esperamos que essa conversa possa ajudar grupos de RPG a se ajustarem antes do início do jogo, para que todos possam jogar o RPG que eles querem jogar.
Texto: Roj Ventura
Revisão: dfmcosta