A ChirstopherNolanização dos EuroGames

Obs: As imagens dos jogos são apenas para ilustração e referências aos filmes de Christopher Nolan. Guarde o hate para outro post… kkk

Cinema

“Memento” (2000) foi a obra que colocou Christopher Nolan no jogo do cinema.

Com roteiro escrito em conjunto com seu irmão Jonathan, o filme acompanha um protagonista que sofre de amnésia, e para inserir essa sensação de lembranças fragmentadas no público, o filme começa pelo final e pelo início da história ao mesmo tempo, intercalando as cenas, e terminando pelo meio da história.

Um filme genial, que não foi a primeira experiência dele com embaralhamento cronológico. Seu primeiro filme, “Following” (1998) também utilizava esse recurso.

A técnica não é exclusiva de Nolan. Temos “Estrada Perdida” (David Lynch, 1997) “Pulp Fiction” (Quentin Tarantino, 1994) e “Irreversível” (Gaspar Noé, 2002), entre outros.

Em algumas obras, este recurso faz parte da trama, é uma opção necessária para contar a história do jeito certo; em outras, é só uma firula, uma graça que o diretor/roteirista faz para deixar o filme mais interessante.

E não é só com ordem cronológica que contadores de histórias bagunçam uma trama. Omissão de informações, excesso de informações, metáforas, termos científicos, complexidades políticas; são vários os recursos utilizados para destacar as tramas.

Pra quê complicar se podemos simplificar? Porque é divertido!

O ser humano sente prazer ao desvendar enigmas; quanto mais complicado o desafio, mais satisfatório é o sentimento. O público recebe um soco de felicidade ao perceber que um fantasma estava ao lado do protagonista o tempo todo, que quem causou todo o problema no início do filme foi o protagonista voltando para o passado no final do filme, que o detetive estava investigando crimes que ele mesmo cometeu.

Christopher Nolan sabe disso, e complica os seus filmes para satisfazer essa característica do público.

“Inception” (2010) coloca um sonho dentro de outro sonho, com um sonho paralelo e um piãozinho girando no final do filme para deixar a dúvida se a realidade também é um sonho; “Interestelar” (2014) extrapola conceitos científicos para justificar viagens temporais; “Dunkirk” (2017) faz duas linhas temporais se encontrarem no final do filme; “Tenet” (2020) inventa uma tecnologia de fazer o tempo ir para trás e para frente ao mesmo tempo; e “Oppenheimer” (2023) tem cenas rápidas, pulando anos para frente ou para trás, misturando flashbacks com flashforwards.

A questão é: Essas complicações foram colocadas no roteiro por necessidade da trama ou para agradar o público?

Essas histórias precisavam dessas complicações para serem contadas, ou as histórias foram complicadas para atender uma demanda do público?

E transferindo essa pergunta para a criação de boardgames: Os gamedesigners estão complicando seus jogos só para agradar os jogadores?

Os eurogames precisam ser complicados para serem bons?

Nerd

Para responder essa pergunta, precisamos entender esse público.

Jogos de tabuleiro acompanham a humanidade desde o início das civilizações, são uma atividade capaz de entreter qualquer pessoa, porém, infelizmente, os jogos de tabuleiro se tornaram uma atividade de nicho.

Uma grande característica desse nicho é a nerdice.

Ser nerd deixou de ser demérito, os interesses nerds passaram a ter destaque em várias mídias de entretenimento, como o cinema e o videogame, mas ainda existe confusão sobre o conceito de nerd.

Originalmente, nerds eram tidos como viciados em assuntos científicos com precárias capacidades sociais, porém, essa descrição não retrata a realidade.

Tentam resolver isso dizendo que existem diversos tipos de nerd, categorizando por áreas de interesse, mas chegando no centro da característica, o que resume o nerd não é a sociabilidade, mas sim, o treino intelectual.

A característica comum de todo o nerd é o prazer pelo estudo. É aquele que lê, pesquisa e debate o seu objeto de interesse porque gosta, e não por obrigação escolar ou trabalhista.

Existe o nerd de carros, o nerd de quadrinhos, o nerd de vinhos; e o nerd não precisa ter um assunto exclusivo, e nem o mesmo interesse por toda a vida. O que sempre caracteriza o nerd é o estudo que ele dedica aos seus interesses.

Assim como o nerd de boardgame, existe o nerd de videogame. Ambos são estudiosos de sua atividade de lazer, e é aí que podemos encontrar uma pista para responder a pergunta sobre a necessidade da complexidade dos eurogames.

Tempos atrás, eu jogava um videogame multiplayer de corrida, o Tales Runner, que tinha um modo comum e um com power-ups. A disponibilidade de jogadores para o modo normal era muito maior do que para o modo power-up. Os jogadores preferiam contar apenas com sua habilidade, do que enfrentar imprevistos gerados pelos power-ups.

Com os MOBAs, ocorre um efeito semelhante. Existem os jogos mais simples, ou com elementos mais dinâmicos, mas o que faz sucesso entre os nerds é o League of Legends, que se passa sempre no mesmo mapa e requer muito estudo para não apanhar.

Jogos

Nos RPGs, também ocorre um efeito semelhante.

No OPERA RPG, buscamos regras simples, tentando simular a realidade selecionada com o mínimo de interferência no ritmo de jogo.

Fazendo isso, vamos na contramão do sistema de regras de maior sucesso atualmente, o D&D, que demanda muito estudo de regras para compreender as ações dos personagens, sendo essa compreensão de regras mais importante do que o improviso de ações para um bom desempenho no jogo.

Os nerds, assim como a maioria dos seres humanos, ficam mais confortáveis quando estão em um ambiente que eles dominam.

Se o jogo dá vantagem para quem estuda mais, os nerds ficarão mais confortáveis nesse tipo de jogo.

Seria esse um motivo para os gamedesigners deixarem seus jogos mais difíceis do que o necessário?

Existe um conjunto de mecânicas básicas necessárias para fazer um jogo funcionar. Com essas mecânicas, uma experiência completa é entregue para o jogador, com estrutura coesa e possibilidades estratégicas.

Faria sentido deixar esse jogo mais complicado, com novos elementos, mais funções para cada peça e diferentes possibilidades de pontuação?

Muitos eurogames dão a impressão de que contam com mais elementos do que os necessários para a sua funcionalidade: Várias fontes de pontuação, múltiplas funções para a mesma peça, interação entre diferentes tabuleiros.

Se esses jogos fossem simplificados, e se mantivessem funcionais, eles fariam o mesmo sucesso?

A necessidade de atenção a modificações de bônus a cada carta colocada na mesa, a lembrança de uma regra específica que só é utilizada em uma situação específica de jogo, a necessidade de somar vários elementos para decidir quem será o primeiro jogador a cada rodada, a alteração de dezenas de elementos na mesa a cada rodada para alterar a disponibilidade de cartas aos jogadores. Todas essas complicações são propositais? Jogadores realmente valorizam isso?

Se o público for nerd, tudo indica que sim.

Você conhece algum boardgame que parece ter sido christophernolanizado?

Texto: Roj Ventura

Revisão: solidthales