Como Contornar Péssimas Primeiras Impressões

Existe algum jogo bom que você não gosta porque teve uma primeira experiência ruim? Passamos por várias dessas situações por aqui.

Formula D

Estávamos em oito jogadores, decidimos jogar o modo avançado do Formula D.

O jogo tem uma mecânica interessante de planejar as marchas do carro com dados, para evitar acidentes nas curvas e também conta com uma regra de danos quando os carros se encostam.

Um dos jogadores foi atingido várias vezes no começo do jogo, e apesar das regras atribuírem uma chance maior de danos para quem causa a batida, foi o carro dele que sofreu mais danos. Resultado: Na segunda rodada, o carro dele já estava quebrado.

Foi muito divertido para os outros jogadores, várias fotos foram tiradas do carrinho dele, virado de ponta cabeça na borda da pista, mas com essa eliminação, o jogador ficou de fora da brincadeira por mais de uma hora, enquanto os demais jogadores seguiam na disputa.

Para não ficar sem ter o que fazer, ele ficou baixando a classificação do jogo na Ludopedia, escrevendo um texto enorme. Procurei a avaliação dele agora, mas não encontrei. Ele deve ter se arrependido do surto e apagou a crítica.

Carcassone

Apresentei Carcassone para um casal de amigos, que não tinha familiaridade com jogos modernos.

Carcassone é um excelente jogo introdutório, com regras simples e ações rápidas, porém, o rapaz do outro casal começou mal o jogo, e decidiu usar suas peças para ajudar nas construções da namorada. Resultado: Ela ganhou e a situação gerou um climão na mesa. Ninguém quis jogar outra partida.

Carcassone e Splendor

Splendor também é uma atrativa porta de entrada para os jogos modernos, com uma envolvente regra de compras e suas fichas com aparência satisfatória, porém, jogadores novatos ficaram decepcionados ao jogar comigo.

A partida seguia com todos empolgados, até que eu ganhei por conta de uma regra que eles tinham desconsiderado.

O pessoal estava tenso, percebendo que as pontuações se aproximavam do final, e eu pego uma carta de visitante, que atinge a pontuação final e encerra o jogo.

Em uma partida de Carcassone ocorreu algo semelhante: tinha gente contando com a vitória, até que eu contei a pontuação dos camponeses e virei o jogo.

Mesmo assumindo que não estavam dando atenção para essa regra, o pessoal não se interessou muito em jogar de novo, até que eu fiz uma proposta (explicarei mais adiante como resolvi essa primeira impressão errada do jogo, mas acho que você já sabe a solução encontrada).

Euphoria

Esse é um euro totalmente christophernolanizado. Várias trilhas para seguir, cartas com os mais variados efeitos, diferentes objetivos de vitória; um prato cheio para quem gosta do estilo.

Um dos pontos centrais do jogo é uma mecânica de recrutamento de dados trabalhadores. Você rola dados para realizar tarefas, e pode recrutar mais dados, porém, se a soma dos dados for muito alta, os trabalhadores “despertam” e alguns dados fogem da sua distopia.

Eu fiz as contas e adotei uma estratégia de investir em recrutamento de dados no começo do jogo para superar a eficiência dos outros jogadores do meio para o final da partida. Peguei dados até um ponto estatisticamente seguro, e eis que eu rolo só 6 ou 5 em todos os dados (a maioria, 6). Resultado, perdi metade da minha força de trabalho.

Foi muito engraçado para a turma eu ameaçar jogar os dados no lixo, depois, o jogo seguiu normal e é claro que eu perdi, sem chance de retorno em momento algum.

Passo longe desse jogo, se falarem que a jogatina vai ser de Euphoria, prefiro ficar em casa assistindo drama coreano.

Xalingópolis

Esse é um jogo básico, de passear pelo tabuleiro coletando bloquinhos (aqueles bloquinhos de madeira, do “Brincando de Engenheiro”) e construir os projetos das cartas no centro  do tabuleiro, formando uma cidadezinha de blocos.

Um jogador, acostumado com jogos mais avançados, teve azar atrás de azar em suas rolagens. Os outros jogadores se divertiram muito com esse fracasso, mas ele não gostou nada da experiência. Terminou a partida com apenas um ponto e concluiu que o jogo deveria ter algum tipo de regra para evitar isso.

Stone Age

Stone Age é um eurão clássico, em que você junta cubinhos para trocar por cartinhas e usa cartinhas para conseguir outros cubinhos, e no final, soma uns cinco elementos para conseguir chegar na pontuação total.

Tomei contato jogando com o dono do jogo. Eu estava empenhado em tentar fazer uma boa maquininha de pontos com os cubinhos, e quando acabou o jogo, fiz metade da pontuação do outro jogador, que conseguiu altos combos comprando cartinhas.

Tive uma má impressão do jogo, achei muito confusa a pontuação, dava a impressão de que você precisava decorar as coisas certas para comprar. Nem quis jogar de novo.

Kemet

Um jogo com evolução de pirâmides, combate por cartas, sacrifício de tropas, recrutamento de criaturas e muito mais. Eu já conhecia o jogo, outros dois jogadores estavam jogando pela primeira vez, e um outro jogador já tinha jogado na semana anterior e passou a semana com o manual para “estudar” as regras.

Outro elemento presente no jogo é uma árvore de tecnologias, baseado em três categorias, e o jogador “estudioso” montou combos com cada uma dessas categorias.

Nós fomos atropelados pelo jogador combado, mesmo com a aliança dos outros jogadores, a vitória dele foi inevitável.

Eu ainda percebi que, com uma recombinação melhor das cartas de tecnologias, eu poderia ter tido um desempenho melhor, já os outros dois jogadores, não quiseram mais saber do jogo, não queriam gastar tempo estudando combos para poder jogar.

Existem os jogos que são ruins na primeira partida, continuam ruins na segunda e são confirmados como ruins na terceira, mas esses não são o foco aqui.

Geralmente, eu não cito os jogos em críticas, pois estou apontando as falhas de conceitos, sem a intenção de prejudicar especificamente algum jogo, mas, desta vez, estou citando os jogos porque eles não são ruins. O problema está em alguma anomalia que ocorreu no primeiro contato dos jogadores com esses jogos, e a proposta é levar o leitor a repensar sua insatisfação com alguns títulos que todos elogiam e acabou não gostando  (será que não foi por conta de uma primeira jogatina infeliz?), e também, procurar soluções para tentar evitar isso em futuras apresentações de jogos para novos jogadores.

Também existem aqueles casos em que muitas pessoas adoram o jogo enquanto outras odeiam, mas aí não é uma questão de qualidade, é uma questão de gosto. Não tem nada que possamos fazer com relação a isso.

Ninguém é obrigado a gostar de alguma coisa só porque todos os outros gostam, existem particularidades em cada individualidade, porém, uma segunda chance pode te levar a aproveitar algo que você já dava como perdido.

Analisando esses exemplos, podemos resumir as causas dessas más impressões a três fatores:

  • Público desinteressado;
  • Jogadores desnivelados;
  • Azar.

Como podemos evitar uma primeira impressão ruim?

Videogames tem seus truques para resolver isso. A sorte pode ser controlada antes mesmo de você escolher qual caminho você vai seguir, e o pareamento te coloca com adversários do seu nível (ou bots disfarçados só para você ganhar e continuar jogando se achando o bonzão).

Nos jogos de tabuleiro, temos que pensar em estratégias sociais para resolver a parte de público e jogadores.

Se o público está desinteressado, não tem muito o que fazer. Mesmo com mais gente interessada, um cara estragando o jogo acaba gerando uma experiência ruim para todo mundo. Não tem muito o que fazer nesse quadro. É uma questão de percepção e oportunidade, sem forçar a situação e começando apenas com quem está interessado.

Já com os jogadores desnivelados, existem várias maneiras de se contornar isso.

  • Escolha jogos adequados: Se existem participantes sem experiência com jogos complicados, comece por jogos simples, mas simples mesmo, que possam ter suas regras explicadas em 5 minutos. Entenda o perfil de cada jogador antes de propor jogos complexos;
  • Simplifique as regras: Não é com todo jogo que dá para fazer isso, mas em alguns casos, o próprio jogo pode te recomendar isso.  Alguns jogos apresentam a advertência: “Se essa é a sua primeira partida, não utilize essas cartas/regras”. É só seguir essa instrução. Playtests devem ter indicado que, quando os jogadores jogam uma partida simplificada e pegam a mecânica básica do jogo, eles não correm o risco de se perder no meio de uma partida com todos os elementos, tendo a impressão de que o jogo é ruim/complicado demais.

Em outros jogos, podemos ter a percepção de que alguma regra específica é complicada para um público novato. Foi o que eu fiz no Carcassone e no Splendor. Eu propus uma segunda partida sem os camponeses no Carcassone e sem os visitantes no Splendor. Com essa restrição estratégica, o jogo perdeu um pouco de sua qualidade, porém, permitiu que todos tivessem uma boa compreensão do jogo. Em partidas futuras, as regras completas foram acrescentadas e o nível de desafio se manteve.

  • Não Jogue: Não é para parar de jogar, é só para você não jogar as primeiras partidas de jogos complexos com novatos, no caso de você já conhecer muitos combos do jogo. Dessa maneira, o pessoal tem tempo de assimilar o conceito dos jogos e até errar algumas jogadas, sem prejudicar a disputa.

Algumas pessoas conseguem jogar pegando leve, até deixando o novato ganhar para gerar empatia com o jogo, mas acredito que tem outros iguais a mim, que não conseguem agir dessa forma.

Infelizmente, com a aleatoriedade, não tem muito o que ser feito. Faz parte da regra do jogo; se tem alguma dependência de sorte, o azar pode atrapalhar a experiência na mesma proporção em que a aleatoriedade domina a mecânica.

Quando criamos o OPERA RPG, já nos incomodava o azar estragando momentos críticos de uma campanha. Mesmo com a utilização do Escudo do Mestre (só quem é mestre de RPG sabe o que rola atrás daquele escudo), sempre existe a possibilidade dos dados fugirem do controle. Demos uma amenizada nisso utilizando rolagens de dois dados de seis faces (2D6).

Quando suas ações são definidas pela rolagem de um dado de 20 faces (D20), você tem a mesma chance de tirar um 1 ou um 20. Ao rolar 2D6, você também tem a mesma chance de tirar um 2 ou um 12 somando os dois dados, porém, a chance é muito maior de você somar um 7. Estatisticamente, os números no meio do intervalo de 2 a 12 ocorrem com mais frequência; dessa maneira, você mantém um controle maior da aleatoriedade, com uma possibilidade maior de controle de riscos, e ainda assim, podendo ser surpreendido por raras rolagens extremas de dados.

O Alien Virus foi um jogo que eu criei por conta de um jogo quebrado pela sorte. O jogo dependia de cartas para que o jogador, com o papel secreto e infectado, atacasse os outros jogadores, porém, se ele não pegasse essas cartas no monte coletivo de cartas, nada acontecia durante o jogo, e foi o que aconteceu nas duas partidas em que eu joguei.

Quem tiver a curiosidade de contar as cartas do Alien Virus, vai ver que existem várias situações em que as cartas podem ser trocadas, para tentar fugir dessa situação.

Playtests do Xalingópolis apontaram um problema semelhante: jogadores tinham dificuldade para conseguir as cartas de Projeto. Já era uma premissa do jogo as cartas de Projeto serem o elemento mais escasso do jogo, aquela mecânica era necessária para tensionar as decisões dos jogadores.

Alterações foram feitas para facilitar a obtenção das cartas de Projeto, mas elas ainda tinham que funcionar como o gargalo da ação. A situação que relatei anteriormente ocorreu porque o jogador azarado caiu em todas as casas de prejuízo do tabuleiro, mas raramente caía em casas que entregavam cartas de Projeto.

Podem ser criadas regras extras, podem ser adotados procedimentos extras por rodada, mas, por mais que se amenize os efeitos da sorte em um jogo, o azar sempre pode encontrar um caminho de estragar a vida de um jogador azarado (e o jogo ficou mais complicado à toa). Ou não.

Em raras situações, regras “da casa” apresentam soluções que reduzem o azar.

Nos cardgames, temos o “Mulligan”, termo que vem do golf, e acabou virando uma regra oficial para tentar reverter o azar em uma mão inicial (o jogador pega uma nova mão de cartas iniciais, mas com uma carta a menos).

No Catan, se popularizou uma regra (que chamamos por aqui de “regra da pobreza”), em que o jogador pode pegar qualquer recurso de seus territórios caso não consiga nenhum recurso durante a sua rolagem de dados.

Por décadas, partidas de Risk/War ocuparam tardes inteiras, com ataques frustrados que acabavam com os esforços estratégicos dos jogadores, até que alguém decidiu alterar a regra, e dar a vitória para o atacante em caso de empate. Essa regra beneficiou jogadores que investiram mais em estratégia e agilizou a resolução do jogo.

E aí? Lembrou de um jogo que precisa de uma segunda chance? Ou conhece alguma regrinha que pode colocar o azar em seu devido lugar? Comenta aqui pra gente!

Texto: Roj Ventura

Revisão: dfmcosta